Com a maturidade fica-se mais jovem

Hermann Hesse
Tradução: Roberto Rodrigues
Editora Record
154 págs.
R$ 32,00
AA+

É comum os escritores se voltarem para o tema da velhice logo que a encontram em carne e osso. Os literatos costumam apenas repetir o humano. Vive-se a juventude sem ter em vista o envelhecimento. Os personagens são jovens até o próprio autor ou autora despertencer à juventude e se ver incapaz de construir sua história em um universo que agora se tornou desconhecido. Ou simplesmente a velhice os atrai como observadores de si mesmos. Muitos se descobrem escritores quando acumulam mais de seis, sete ou oito décadas de vida. Outros a escolhem mesmo como tema. Foi o caso de Hermann Hesse (1887-1962) neste “Com a maturidade, fica-se mais jovem”, uma espécie de diário de seu período octogenário (ele morreu logo depois de completar 85 anos, em 1962).

            O personagem mais famoso de Hesse, como se sabe, é Harry Haller, protagonista  de “O lobo da estepe”, de 1927, maior motivo de seu Prêmio Nobel quase 20 anos após a publicação do romance. Haller é um homem de 50 anos, tal qual era Hesse no ano da primeira edição, o que para o início do século passado, era quase um idoso. Harry caiu no mundo fugindo da ascética vida burguesa, embora continuasse a admirá-la bem de perto. Apesar da idade do personagem, como os outros livros de Hesse, “O lobo da estepe” fez muito sucesso entre os leitores jovens, por seu diálogo estreito com os temas da contracultura, sobretudo nos Estados Unidos.

Hesse, neste livro sobre a velhice, tem outras preocupações. É quase um desconhecido para o leitor de “O lobo”. É um autor de crônicas, parábolas, aforismos, filosofias e rapsódias sobre a velhice, um crítico e admirador de sua condição e  – talvez – um arrependido pelas tentativas de acabar com a própria vida aos 14 e aos 46 anos. Um apaixonado pelos pequenos detalhes do fim de sua existência em uma cidade montanhosa, onde escolheu hibernar. A escolha da não-ficção e da poesia nos obriga a confirmar sua intenção clara de falar de sua própria velhice, sem intermediários. É quase um desespero por legar um testemunho ou uma interpretação. Às vezes surge o relato de um homem resiliente, outras de um revoltado.

Na crônica “Um chamado do outro lado das convenções”, Hesse reage ao tratamento de “velho e sábio” dispensado por um leitor missivista. “A meu ver, o termo ‘velho’, para o jovem autor da carta, podia ter um sentido pitoresco, velhusco, levemente afável, ora comovente, ora respeitoso; pelo menos sempre fora esta a minha interpretação, nos tempos em que ainda não era velho. Nessas condições, a palavra em questão podia ser assimilada, entendida e aceita como forma de tratamento”. Tal qual  hoje todos os jovens tratam-se de “véio”. Mas Hesse incomoda-se mais ainda com a alcunha de “sábio”, a qual ele recusa terminantemente. Mesmo que a recusa dure pouco.   

A velhice, no conjunto dos textos, aparece como uma sucessão natural da vida como as estações do ano. O lugar comum, no entanto, perde a vulgaridade em meio à sofisticação do olhar de Hesse. Envelhecer, sim, é um constante fugir do inverno. Cada ano traz um fim de verão, assim como cada vida. Alguns verões sucumbem de modo “violento e dramático”, outros “escolhem a morte lenta e suave na velhice” da estação. A analogia insinua-se banal ou melancólica, mas a literatura de Hesse a faz arte simples e singular, divertida e provocativa. Lembra a todo o instante que o homem é a própria natureza. O frio chega devagar, a cada noite: “e a essa altura [da estação], o calor ainda se concentra e se esconde em cada bosque ou floresta, em cada ravina, ali se apegando à vida durante toda a noite, buscando reentrâncias e abrigos contra o vento”.

Em “Reencontro com Nina”, o envelhecer é espectador das transformações do espaço, dos costumes, dos hábitos quando essas mutações tornam-se os sinais vitais da continuidade da vida. É a velhice de um bule de café, as muralhas de uma igreja também marcadas pelo determinismo do tempo ou a “modernização” da cidade italiana de Tessin. animalizações poéticas, ditas de maneira tão casual a ponto de o leitor nem perceber – ou o fazer com prazer – o peso das reflexões de Hesse e a certeza daquilo que é inexorável: “Para os velhos é bom e são/ Borgonha tinto ao pé da lareira,/ E depois uma morte ligeira – Porém só mais tarde, hoje não!”.

 As dores da velhice jamais justificam a pressa. Apesar da certeza. “Esta última tempestade é terrível, como terríveis são também a derradeira luta do verão, sua intrépida resistência à morte, sua dolorosa ira, a força com que se debate e se ergue, em vão, para logo em seguida, sob protesto e indefeso, fenecer”. Mas como Hesse abre o livro é melhor sempre pensar num “Passeio na primavera”. O melhor desse passeio é a convivência com o presente, com a natureza, com as pessoas.

Mesmo que a idade levante um muro geracional, Hesse condena a negação do envelhecimento: “A velhice não é pior do que a juventude, assim como Lao-tsé não é pior do que Buda, e azul não é pior do que vermelho. O velho só é medíocre quando tenta se passar por jovem. O que me repugna, há décadas, é a mera idolatria ao jovem e à juventude, algo parecido com o que hoje acontece na América, e mais ainda a instituição da juventude como estado, categoria ou movimento”. Hesse aponta as suas vantagens: “O jovem tem uma necessidade: poder levar a sério a própria pessoa. A necessidade do velho consiste em poder sacrificar-se, pois acima dele existe algo que leva a sério”. Enquanto o jovem, diz Hesse, está preocupado – e deve estar – em existir, o velho está – ou deveria estar – transbordando espiritualidade. Mas isso se quando jovem fora um ser completo, “uma personalidade autêntica que sofreu as dores da individualidade do ser jovem”. 

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