Gratuidade do transporte para os idosos: o que diz a ciência?

Isenção a usuário com mais de 60 anos é relevante ação de saúde preventiva

Jorge Felix

A ciência tem sido destacada pelo governador João Dória e pelo prefeito Bruno Covas como condição imprescindível para a tomada de decisão na pandemia. Causa estranheza, portanto, a falta de sustentação científica para a adoção de outras medidas no campo da saúde, como a revogação da lei que concedia gratuidade de transporte coletivo para idosos a partir dos 60 anos. O ato provocou indignação porque foi um tema ausente na campanha eleitoral, estava embrenhado nas letras legislativas, de maneira proposital, para impedir o debate democrático e tem justificativas “falaciosas”, como definiu a Associação dos Membros do Ministério Público.

Política à parte, a intenção aqui é abordar, do ponto de vista da ciência, como há um descompasso com o debate global mais contemporâneo e denunciar o desconhecimento dos desafios de uma sociedade envelhecida, na qual o país deve se espelhar em nome do bem-estar da população. O maior sinal vem de figuras públicas, em redes sociais, questionando se se deveria “considerar idosa uma pessoa de 60 anos”.  Além de claro  idosismo (preconceito), deve-se concluir que esses gestores acreditam que políticas públicas para o envelhecimento devem ser adotadas apenas para a população idosa, ignorando as ações preventivas recomendadas pela ciência. Nesse aspecto, é consensual em literatura de  renomadas revistas científicas a defesa da gratuidade aos 60 anos como relevante ação de saúde preventiva.

Estudos provaram seus efeitos benéficos para a prevenção de problemas mentais, no combate à depressão e à solidão, doenças cardíacas devido ao potencial psicológico de o idoso estar no domínio sobre seu direito de ir e vir. Os resultados são colhidos nos cofres do serviço público de saúde. Londres adota a gratuidade aos 60 anos, embora o marco legal de idoso nos países ricos seja de 65 anos. A ONU acaba de dedicar essa década ao envelhecimento saudável. No item 11 de suas orientações, a acessibilidade ao transporte é primordial para a saúde. A Comissão Europeia recomendou, em 2012, no projeto “Growing Older and Staying Mobile”, um esforço dos países em direção à gratuidade inglesa. Há sempre possibilidade de limitar horários ou subsidiar mais as linhas de ônibus mais frequentes para, por exemplo, hospitais. Ou seja, existem alternativas. A OMS referenda esse esforço. Soa paradoxal seguir a OMS na pandemia e ignorá-la na questão da acessibilidade.

A heterogeneidade da população idosa, lição número um em políticas públicas para o envelhecimento, foi ignorada.  Existem várias velhices. O fim da gratuidade penaliza um grupo  que já está num limbo da proteção social. O envelhecimento ativo para os mais pobres, com menos educação, periféricos, quase todos pretos, entre 60 a 64 anos deixou de ser meta e virou obrigação. Não têm emprego, aposentadoria, porque trabalharam informalmente, nem são elegíveis para a assistência social. São os que mais usam a gratuidade e o destino principal, segundo o Metrô de São Paulo, é o trabalho.  Muitas vezes toda a família depende só dessa renda. E todos dependem da ciência.

Publicado na seção Tendências & Debates do jornal Folha de S. Paulo, em 11/01/2021.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*